Como se construiu a ideia de que Fortaleza não tem Carnaval
Um mês e 11 dias após ser fundado, O POVO vivia seu primeiro Carnaval. Em 18 de fevereiro de 1928, noticiava que três grupos, “compostos dos mais temíveis e incansáveis foliões”, uniram-se, formando um único bloco, com objetivo de “festejar, condigna e ruidosamente, ao truanesco Momo, no tradicional sábado gordo”. Um registro de quem nem sempre foi verdadeira a ideia de que Fortaleza não tem tradição carnavalesca.
A história dos festejos da cidade nunca foi linear - nem na realização nem na ausência de celebração. Houve ciclos de muita animação, outros de pasmaceira. Quase sempre determinados pelo apoio ou não do poder público.
O Carnaval de rua viveu alguns de seus anos áureos após a II Guerra Mundial. Em 4 de março de 1946, O POVO registrava “uma das maiores festas populares dos últimos tempos”. “O Carnaval de Fortaleza foi uma grande festa popular”, dizia a capa do O POVO de 2 de março de 1949.
“Era um Carnaval muito animado. A escola saia e atrás vinha uma multidão cinco vezes maior que a escola”, conta Raimundo Praxedes, presidente do Maracatu Nação Baobá, vice-presidente da Associação Cultural das Entidades Carnavalescas e folião desde 1970.
Os festejos preocupavam as autoridades. Máscaras eram frequentemente proibidas, sobretudo após o anoitecer. Também não era permitido vender cachaça. Portes de armas eram suspensos.
Restrições atingiam sobretudo os blocos de sujos. São agremiações anárquicas, marcadas por molecagem e a crítica mordaz. Pelo aspecto dos brincantes ou pela ácida sátira política, eram mal vistos. Por vezes, proibidos de desfilar.
Ao longo dos anos de 1970, o Carnaval mudou de patamar de organização. Nas ruas e nos clubes, O POVO contabilizava 127 festas, em 1971.
Mas a melhor estrutura, somada às restrições impostas, provocaram impactos. Em 1º de março de 1979, O POVO dizia que a festa havia se transformado em “espetáculo visual que não permite, em nenhum momento, a participação do povo”. E destacava como uma das causas o quase desaparecimento dos blocos de sujos, principal expressão do envolvimento popular. “Ninguém pula, ninguém canta, ninguém se mexe”. Mas não era só. Em 4 de março de 1981, o jornal apontava “crise do Carnaval nos clubes elegantes”.
A década de 1980 foi o momento mais crítico. A popularização das transmissões televisivas dos desfiles cariocas expôs a exuberância de lá - e reforçou a impressão de que aquilo era Carnaval - não a simplicidade local.
Em 1983, a avenida Duque de Caxias, que se tornara principal palco do Carnaval, foi abandonada por Maracatus e blocos. Só restaram os “sujos”. Sem apoio oficial, na Beira Mar, “arremedos de escolas de samba e blocos desfilaram na escuridão”, conforme O POVO de 16 de fevereiro daquele ano.
“Carnaval de rua pede passagem, perdido no asfalto da incerteza”, noticiava O POVO em 25 de janeiro de 1985.
Em 1989, com atraso nas verbas oficiais, a Federação das Agremiações Carnavalescas decidiu que não haveria desfiles. Dez das 26 integrantes abriram dissidência e se apresentaram.
Paradoxalmente, a coisa começou a mudar depois do desabamento das arquibancadas na Domingos Olímpio, em 2008. A partir de 2009, o bloco Sanatório Geral, até então de Pré-Carnaval, passou a desfilar nos dias oficiais de folia.
Abriu a porta para ser seguido por vários outros blocos. Em paralelo, a Prefeitura passou a promover grandes shows na Praia de Iracema - naquele ano, Beth Carvalho foi a atração principal. E a festa na cidade passou a viver uma nova fase áurea, embora bem diferente de 50 anos antes.
Fonte: O Povo online
